segunda-feira, 27 de setembro de 2010

VII


No quinto dia, sempre graças ao carneiro, um segredo da vida do pequeno príncipe me foi revelado. Perguntou-me, sem rodeios, como se fosse o resultado de uma longa reflexão:
- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
- Um carneiro come tudo que encontra.
- Mesmo as flores que têm espinhos?
- Sim. Mesmo as que têm.
- Então... para que servem os espinhos?
Eu não sabia. Estava ocupadíssimo naquele instante, tentando desatarraxar do motor um parafuso muito apertado. Estava bastante preocupado, pois a pane estava começando a parecer muito grave, e a água que tinha para beber era tão pouca que eu temia o pior.
- Para que servem os espinhos?
O pequeno príncipe jamais desistia de uma pergunta uma vez que a tivesse feito. Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:
- Espinhos não servem para nada. São pura maldade das flores.
- Oh!
Mas, após um silêncio, ele me disse, com uma espécie de rancor:
- Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...
Não respondi. Naquele instante eu pensava: "Se esse parafuso não afrouxar, vou fazê-lo soltar com uma martelada." O principezinho perturbou de novo meus pensamentos:
- E tu achas então que as flores...
- Ora! Eu não acho nada. Respondi qualquer coisa. Eu só me ocupo com coisas sérias!
Ele olhou-me surpreso:
- Coisas sérias!
Ele me via de martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um objeto que lhe parecia ser muito feio.
- Tu falas como as pessoas grandes!
Senti um pouco de vergonha. Mas ele acrescentou, implacável:
- Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo!
Ele estava realmente muito irritado. Sacudiam ao vento seus cabelos dourados:
- Conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete, como tu: "Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!" E isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem, é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!
O príncipe estava agora pálido de cólera.
- Há milhões e milhões de anos que as flores produzem espinhos. Há milhões e milhões de anos que, apesar disso, os carneiros as comem. E não será importante procurar saber por que elas perdem tanto tempo produzindo espinhos inúteis? Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode destruir num só golpe, sem saber o que faz, isso não tem importância?
Corou um pouco, e continuou em seguida:
- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando a contempla. Ele pensa: "Minha flor está lá, em algum lugar..." Mas se o carneiro come a flor, para ele é como se todas as estrelas repentinamente se apagassem! E isso não tem importância!
Não conseguiu dizer mais nada. Imediatamente se pôs a soluçar. A noite caíra. Larguei as ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar! Tomei-o nos braços. Embalei-o. E lhe dizia:
- A flor que tu amas não está em perigo... Vou desenhar uma focinheira para o carneiro... Uma cerca para a tua flor... Eu...
Eu não sabia o que dizer. Sentia-me envergonhado. Não sabia como consolá-lo, como me aproximar dele... É tão misterioso o país das lágrimas!

Antoine de Saint-Exupéry_O pequeno príncipe

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